Não-Binariedade no Género e a Linguagem

Um dos recentes problemas que o mundo da tradução enfrenta é garantir que as traduções reflectem a necessidade de neutralidade de género quando necessário. Com a reafirmação dos direitos dos indivíduos de género não-binários, há um movimento consciente para garantir que as pessoas que não seguem a linguagem de género masculina/feminina convencional sejam tratadas de uma maneira respeitosa que reconheça sua preferência. No entanto, as línguas ainda não evoluíram totalmente para reconhecer isso. Alguns idiomas são mais neutros em termos de género do que outros, tornando mais fácil para pessoas não-binárias encontrar um pronome para falar delas, mas outras línguas são profundamente marcadas pela existência de género e exigem um pouco mais de inovação e criatividade.

Trabalhando com o par de idiomas específico Inglês/Português, deparamo-nos com diferenças de género todos os dias. Em inglês, o género gramatical só surge com os pronomes na terceira pessoa: he (masculino), she (feminino), it (neutro). Os substantivos não precisam concordar em género, nem verbos ou outros pronomes. Portanto, as pessoas que se identificam como não-binárias escolhem seu pronome de preferência ou escolhem ser tratadas como “they”. “They” já é um pronome comum usado quando o género é desconhecido, contornando a necessidade de dizer “ele ou ela”. Por exemplo, “Someone left their wallet here. I hope they come back to get it.” (“Alguém deixou sua carteira aqui. Espero que eles voltem para buscá-la.”)

No entanto, em português (e línguas românicas em geral), o género gramatical é dominante. Os substantivos têm género, a maioria dos adjectivos são específicos em género e precisam concordar. Quem lê a frase em inglês “I am tired”, não obtém nenhuma informação acerca do género do sujeito. Em português, existiria um sujeito masculino ou feminino identificado imediatamente pelo adjetivo. “Eu estou cansado”  (masculino) ou “Eu estou cansada” (feminino). Então, quando o texto original está em inglês e um sujeito não-binário está a falar sobre si, como se pode traduzir para o português com precisão e sem ofender? Em primeiro lugar, o desafio é semelhante a quando encontramos textos em inglês que não fazem referência ao género da pessoa. Aqui está um exemplo:

“My client sat in front of me and said ‘I’m a murderer. I got angry and killed someone.'”

Tradutores de línguas latinas estão habituados a esses problemas. Não há definição de género em inglês na frase acima, mas em português o possessivo “My” teria que ter género: “A minha cliente” ou “O meu cliente”. Mais perguntas surgem depois com o discurso directo de um sujeito cujo género é desconhecido. Murderer= assassino ou assassina? Angry= zangado ou zangada? Uma maneira de contornar essa questão é fazer a escolha do pronome através do contexto (seja por referência ou inferência adicional, sujeita a discriminação) ou a adoptar a forma masculina, que em português é aceite como a forma de género universal em português (embora esta situação esteja a mudar).

No entanto, quando estamos a falar de indivíduos não-binários, os pronomes que escolhemos são de extrema importância. Algumas pessoas não-binárias optam por manter os pronomes do género de nascimento, outras escolhem o pronome do género oposto por uma questão de equilíbrio e algumas preferem pronomes neutros. Como mencionado anteriormente, este problema pode ser abordado na língua inglesa através do uso de “they” e, na maioria das vezes, uma vez determinado o pronome, não surgem mais problemas linguísticos. A única outra barreira frequente na língua inglesa é a atribuição de títulos: Mr, Ms, Mrs… Alguns não-binários estão escolhendo o título de Mx como um título neutro, mas como todos os neologismos, especialmente aqueles que são culturalmente desafiantes, está a demorar para ser assimilado. Onde não havia linguagem disponível, as palavras tiveram que ser criadas. O Centro de Recursos de Lésbicas, Gays, Bissexuais e Transgêneros da Universidade de Wisconsin tem muita informação actualizada sobre pronomes mais neutros em termos de género, que reconhecem pessoas não-binárias como mais do que um “elas” sem rosto. Isso é o que está a acontecer na língua portuguesa.

Actualmente, há uma grande variedade de pronomes para escolher em português e uma lista de potenciais novos finais para concordar com seu género não-binário. Alternativamente, algumas pessoas não-binárias estão felizes com uma oscilação proporcional de pronomes femininos ou masculinos, embora num contexto textual onde a situação não tenha sido explicada anteriormente, o leitor pode ficar confuso.

Estes desafios contínuos de género e fluidez de linguagem são importantes para os tradutores. Como profissionais encarregados de preencher lacunas culturais usando a linguagem, os tradutores têm a responsabilidade de se manter actualizados e garantir que a linguagem reflecte aceitação e tolerância. Para isso, os tradutores devem não só manter-se informados, mas também ter a mente aberta e adquirir as informações correctas através das entidades qualificadas para fornecê-las.