Desumanização dos serviços utilizando o poder a linguagem é algo que tem vindo a acontecer gradualmente. Uma mudança de nome aqui, uma restruturação de um departamento ali, e quando notamos um novo conceito foi introduzido que pode não ser particularmente do nosso agrado.
Não acontece apenas na aviação, ou até mesmo em tradução, acontece em todos os sectores e todos estão envolvidos nesta desumanização das coisas. Já não contratamos seres humanos, contratamos conceitos abstractos de características humanas.
Recursos Humanos ou Aquisição de Talentos?
Se pertence à minha geração, tenho a certeza que já ouviu falar no Departamento de Recursos Humanos. Todas as grandes empresas possuíam este departamento, era constituído por pessoas responsáveis por lidar com contratos e emprego. Mas ao longo dos anos este sofreu uma grande transformação para o que é actualmente. Não em termos de responsabilidades, eles ainda continuam a desempenhar as mesmas funções, mas na forma como o fazem e como são chamados.
Começámos com Recursos Humanos e abreviámos para RH. Sejamos honestos, temos tendência a abreviar tudo, e não penso que seja algo ofensivo ou desumanizante. Mas agora parece que não temos seres humanos, em vez disso adquirem talento das pessoas que possuem esse talento. Os candidatos já não são candidatos são “pool” de talentos ou banco de talentos.
Serviço ao Cliente ou Experiência do Cliente?
Mas isto não acontece apenas a empregados, até mesmo os clientes foram desumanizados. Há algumas décadas, se tivéssemos um problema com o nosso bilhete de avião, televisão ou qualquer outro produto ou serviço, ligávamos para a linha de serviço ao cliente e falávamos com um representante do serviço ao cliente. Agora falamos com um representante da experiência do cliente ou até um representante do sucesso do cliente, penso que o último é particularmente chique. Neste caso a linguagem é utilizada um pouco melhor, ainda somos clientes, mas o serviço é para a nossa satisfação ou experiência ou ainda melhor, para o nosso sucesso, não para nós.
Linguísta Profissional ou Vendedor?
Nos serviços linguísticos, nem é a total desumanização mas a introdução da percepção de menos valor ou aptidão. As pessoas que trabalham como gestores de projectos e têm a capacidade de coordenar projectos grandes, muitas vezes por uma vasta gama de serviços, são vistos como vendor managers (Gestores de Vendedores) e os profissionais que prestam essa vasta gama de serviços são vistos como vendors (vendedores). Vê-los como vendedores tem uma percepção imediata de que não necessitam de uma qualificação formal para desempenhar essas funções, por isso são menos qualificados e daí que possam ter um pagamento inferior.
É um processo mental
Tudo se trata de um processo mental bastante subtil. Quando nos referimos a alguém como talento tiramos a qualificação inerente à palavra “técnico” ou “profissional especializado”, é apenas um talento. É mais fácil desvalorizar. O mesmo para os clientes, não é a pessoa que importa, é a experiência. Estes conceitos abstractos implementaram a falta de empatia e respeito entre nós.
Fracos líderes preferem desumanizar ou desvalorizar em vez de liderar. É verdade que precisamos de talentos nas empresas, queremos que os clientes tenham uma excelente experiência, mas eles são todos serem humanos, não conceitos abstractos.
No que respeita aos vendedores, é mais fácil olhar para o produto do trabalho de alguém como uma mercadoria do que aceitar as suas qualificações.